sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Migrante

Das colinas
De lá pra cá
Pirata desprovido de nau
Encabeçado num rumo
sem brisa sem leme
O roteiro esconde
o que segue

Retorno
sempre
iminente.

Ainda vivo.
Ainda aqui.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Risen

Magimodelador

como um planinauta
ou uma girafa roxa
um beija-flor escurecido pela noite
uma miríade infinita de olhos e sorrisos

tem muitas, muitas formas
curvilíneas, suaves, áspera, as vezes, como meu rosto
meu cabelo
mas, também belas, úmidas, quentes

um arfar pesado
que alivia ou aumenta a tensão
uma, duas, cinco vezes
centenas serão, milhares
os números não fazem diferença aqui

pois eles não são capazes de limitar
quantos números tem daqui até plutão?
quantos carros azuis?

nada, pode comprar aquele prazer de acordar
início de tarde
e perceber ser, eu mesmo, a única peça expressionista fora de lugar naquele momento
retrato divino
pintura renascentista

minha memória nunca foi prodigiosa
porém lembro de vários instantes
mas um permanece eterno, perene na minha mente a cada renascer do sol

lá estava ela
como Belit, como uma criatura a tocar os lençois, suavemente com as mãos
os cabelos negros contornavam seu pescoço como um colar que afaga a pele sem ruídos
o rosto, a me sorrir me olhava de lado como quem convida a transcender aos planos superiores
ascender em carinho, prazer
um caminho bem delineado
pelas escuras penas da Phoenix a indicar a direção

Me desculpem os mortais que nunca tiveram momentos memoráveis em suas vidas
Porque só eu sei o quão mágica e enebriante é essa visão.
Porque cada homem sabe da dimensão da dor que carrega.
Dos sonhos, ambições, desejos, medo e vontade.

E só eu sei, como é amar essa mulher. Um sentimento tão puro, simples, volátil, enaltecedor.
Melhor do que amar é se sentir amado em seus braços, nuca, pele, lábios.
sorriso.
olhos.
sorriso.

como dizia
grande é a variedade de formas e sensações
para aquele que sabe que o corpo físico ainda é receptáculo pequeno
porque quando me prostei de joelhos e olhei fundo nos seus olhos
aquele brilho, aquilo tudo, tomou conta de mim

e hoje meu espírito reluz
um fulgor de vida
respiração profunda

estrela cadente de amar

Se a vida, se tudo isso, faz parte do trabalho, da labuta, do processo
acho que estou na fase bônus
encantado.

As últimas encarnações não me deixaram manual de instruções. Não me avisaram dos barulhos, nem das leis e coisas das cabeças dos homens.

Mas, de certo, já me deixaram ciente.
Como você disse certa vez.

Porque se tem que ser alguém. Há de ser você.

E os gordos, bobos ou não, e os carros, o dinheiro, e o calendário não me preocupam. Não é por excesso de confiança, ou intensidade, mas é por saber, após as primeiras nove horas ou das últimas duas.

Que tudo tem seu devido momento. Seja uma reação boa ou momentânea sensação ruim. A vida é como um grande passeio na roda gigante.

E quero fazer questão de continuar aqui. Ao seu lado.


ao seu lado, Valpolicella.

...

O lobo alpha quando encontra a parceira adequada permanece fiel a ela e seus rebentos durante toda a vida. Alimentando a matilha e o clã, e exercendo a função de líder do grupo de machos enquanto a fêmea desempenha o mesmo papel entre as suas.

Eu não conheço muitos lobos. Ou lobas.

Que pena.

domingo, 4 de julho de 2010

vide-bula

Eu gostaria que fosse diferente
Mas não é
Eu gostaria
Mas não é

Eu queria passar por cima de tudo
Mas não dá
Eu queria
Mas não dá

Eu queria pegar todos os resultados dos exames e rasgar
Mas não dá
Eu queria
Mas não dá

Eu queria pegar todo o dinheiro que tenho
E sacar
E gastar
E correr
E gritar

Mas, adivinha?
Não dá.

Eu queria pegar todos os remédios.
E tomar.
Mas, também não dá.

Então eu escrevo.
E minha máquina de escrever "tilinta", sem parar.

Porque só eu sei a dor que carrego.
E não dá para carregar.
Não dá.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

J (Zeger)

Ela não me quis porque eu tenho uma barba, grande e malfeita que não deve ser coisa de gente bem afeiçoada.

Ela não me quis porque minhas roupas não combinam, não são da moda, porque eu uso chapéu e porque minha jaqueta está manchada de cândida.

Ela não me quis porque eu cheiro a bebida barata e desodorante vagabundo, e perfume? Bem, nem perfume eu uso.

Ela não me quis porque eu falo muito e a moda hoje é falar pouco e ter ar de mistério.

Ela não me quis porque eu danço com a elegância daqueles que não fazem questão de serem vistos e porque tenho mais de 1m90.

Ela não me quis porque meu papo sobre astrologia e as verdades da vida parece conversa fiada.

Ela não me quis porque sou pobre, feio, pé-rapado, xavequeiro de merda que nem tem onde cair morto.

Ela não me quis, principalmente, porque ela não me conhece.

.
E é preciso conhecer para se desejar de verdade.
.

Ela não me quis... porque ela não leu essa poesia.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Meu olhar

Que saudade.
Meu olhar é difusão.
É um estrabismo descabido
meio olho no passado, meio olho no futuro
e um par de retinas no presente que se transforma
em passado e em futuro mais rápido do que eu posso acompanhar

meu olhar as vezes é para dentro
que, por mais engraçado que pareça, costuma ter mais luz e claridade do que o lado de fora
mas, é para a "externidade" também

gostaria tanto de que meu olhar tornasse-se também um par de ouvidos
para ouvir todos e entender e viver pelos olhares dos outros
um momento, um dia, um sol

por isso eu não gosto de óculos escuros, ou lentes, ou tudo mais que desfoque o olhar
gosto do brilho, do pulsar, e da coceira de manhã
do cansaço, do pesar das pupilas, das pontadas e do ardor

porque, já me ensinaram uma vez:
saber olhar é mais importante do que saber viver

a vida não passa de um feixe de luz
e cada dia, é uma piscadela separadora de cores
e nesse rodopiante caledoscópio cromático
eu adotei a ótica do bem viver

olhe para isso como se não fossem palavras
veja seus olhos que a cegueira jamais roubará.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Coordenadas

Roda,
como um planeta
gira devagar
sem cair
sem tentar
mostra
que existe muito mais
do que um titubear de passos
um engasgo de sílabas
duas riscadas de compasso

Muda,
como as fases da lua
como uma palavra surda
sem voz para desamarrar
como era tempo
como um contratempo
bússola
sonar

Vem,
vem comigo
vou te mostrar
que a vida
é um imenso bambolê
cabe a cada um
brincar
num eterno jogo de cintura
dias após dia
sonhar

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Yellowsilver

tá de rasgar o peito, tchôna
de rasgar o peito.

acho que se pá
tô morrendo por dentro

ou já morri

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Refina-me

Tem dias que eu me faço pouco
e tem dias que eu me faço farto
como aquele agradecimento sincero
como um impulso incontrolável

besta-fera
peste do samba
para mim, tudo gira numa imensa ciranda de letras
e no final, eu não consigo ir no cavalinho azul

eu preferia a motinho preta
mas, ela tá sempre ocupada

Que o Devorador de sonhos consuma-te
ocupador da motinho preta

que nessa supra de egoísmo crayon
eu quero tudo que é meu de direito

liberdade além do papel
desejo mais que tudo
realidade ao alcance dos dedos
desejo mais que tudo
aquele punhado de beijos

a morte das mentiras
seu cheiro
outro dia sonhei contigo
é

você me abraçava tão forte
tão forte
e tudo era seu cheiro


exuberante como sempre foi
orquídea da minha vida
se você soubesse
ai, se você soubesse

quem sabe, se você soubesse, aquele abraço não tardaria tanto a chegar

nem me escuta mais
nem lembra do tom da minha voz no telefone
das músicas

foi como em um dia
muito lindo

todo mundo sabe que eu não sou uma fortaleza de aço
só para os tolos sou um totem impenetrável
mas, ninguém sabe meu segredo

não é uma lista de palavras vazias
nem dicionário
nem cidade com nome de fruta

tem dias, que me falta clareza
e me sobra sonho
de pegar com a mão
colocar na casquinha e tomar feito sorvete

mas, mesmo depois de uma anomalia temporal
de uma tempestade de aranhas tecelãs da terceira era

é seu cheiro
e o meu segredo
plantado no meu coração

não há doutor que cure meu mal
vivo assim

refina-me
e me conduz para essa lágrima
doce feito o argil do ferro
sobra saudade e sal

refina-me
e me arremessa como pássaro
defenestra-me para além da motinho preta

porque eu sou assim
e meu mal é não querer a mim
refina-me
para que eu possa olhar além
de Rá-Amon
da cúpula do trovão
das cicatrizes do seu coração

sabe, quando a Julia canta
quando ela canta macia no meu solo
Julia, meu amor
só teu grave consola meu afeto
de resto
noite, tsuki, rede de segurança e deserto

refina-me
refina me
até que o sol se separe

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Homens amargos como eu

Homens amargos como eu sabem das voltas que a vida dá
Homens amargos como eu sabem das voltas que a vida dá
Homens amargos como eu sabem das voltas que a vida dá
Oh Deuses, por que?
Por que gira tão devagar?

domingo, 17 de janeiro de 2010

Encourse

Bem depois de onde se vê
logo ali aonde não se alcança
Sutis toques de violência
envolvidos em devastadora esperança

O tempo e caminhar
cada rota que o mundo dá
Nem tudo é sentido

simples como respirar

Logo ali aonde não se alcança
bem depois de onde se vê
um escudo de contra-vontades
o desejo e o viver

a mais maravilhosa jornada
perdida em um momento

o mais belos dos olhares
impetuoso contra o vento

sons, passos, cavernas e encostas
eu, eterno apaixonado
você, variável incógnita

unidade é um recado esquecido
diversidade um brinde bem-vindo

austero eu caminho comigo
velejar seus sonhos
meu novo destino
aportar em pensamentos
sem saques ou espólios

meritório
tudo na vida é meritório
matter of fact
seu território

ao contrário
contraditório
instigar
não é de hoje
irrisório

reduzir amplitude em palavras
falatório

conduzir cavalos com amarras
dispensável

minha conquista
incalculável

assim, naturalmente

logo ali
bem depois
de onde se vê
aonde não se alcança

minha alma
magneticamente se encanta
recompensa tão aguardada

vindoura lembrança

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Não quero mais seus dentes

Faz tempo que eu não te via, né.
eu sei, eu sei.
Mas, sei que ela cuidou muito bem de você.
Muito melhor do que eu poderia ter cuidado, provavelmente.

Mas, você sempre foi arteira, não é?
Sempre esperando meu momento de deslize pra fugir.
Tenho até hoje as cicatrizes do seu primeiro banho. Guardo com carinho.

Você era nosso símbolo de tudo que poderia dar certo.
De tudo que tinhamos um pelo outro.
Fico me perguntando se isso também se foi. Se vai se esvair, enfraquecer.

Pessoal dizia que você era feio e sem graça, mas, era tudo mentira.
Você é adorável. Meio quietona, claro. E, tudo bem que eu só soube que você era menina depois que eu já tinha partido.
Fazer o que...

Mas, a gente conversava bastante.
E gostava de tomar sol junto.
E são dessas coisas que eu vou lembrar.
Porque eu te amo muito.

Agradeço demais a sua mãe, porque tenho certeza que ela fez de tudo para te deixar aqui.
Mas, tudo tem sua hora né.
Você veio para gente para encontrar um lugar melhor.
Agora, tenho certeza que você está no melhor lugar possível.

Não vou te mandar um beijo, porque você iria virar a cabeça e fazer aquela cara de não que só você faz.
Nem vou fazer carinho na crista, porque você também não gosta.
Vou te pegar mentalmente e te colocar no sol, ficar te olhando, olhando, pensando no que você está pensando.
E aí, quando você tentar fugir, voltar pro verde. Eu vou te deixar ir.
Para sempre.

Tchau Darwin.
Ou Darwin-Lúcia.
Fica bem.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

eu não valho nada

eu não valho nada

não valho mesmo
como sempre digo, não valho uma moeda de dois.
pessoas muitas vezes não tem culpa por pesar as coisas
pesam
para bem ou para mal

eu
odeio comparações
odeio julgamentos que não sejam os meus
e, claro, me dou esse direito, como todo ser humano egoísta que habita esse magnífico planeta

mas, diferentemente de todos os outros seres humanos que habitam esse magnífico planeta
eu não valho nada
não como o Sawyer ou como o Cyrano
nem como qualquer calhorda que bate na mulher
nem como qualquer assassino que mata crianças
nem como qualquer ditador
ou como qualquer corrupto sujo e de sorriso amarelo
nem como qualquer fumante intrépido
ou como qualquer bebâdo descontrolado
nem como qualquer extremista inconsistente
nem como um defensor moralista
nem como uma mulher bonita

eu não valho nada
porque meu valor não dá para julgar
não dá para pesar
nem o seu
nem o dela
o dele
ou o Sawyer do Cyrano do calhorda do assassino do ditador do corrupto do fumante do descontrolado do extremista do defensor e da bonita
sabe, muitos caras já disseram isso antes de mim
e eles tem livros com nomes pomposos que você pode comprar na Cultura, na Saraiva, na Nobel

só tem uma pequena diferença entre eles, eu e você
é a seguinte, darling
eu também pego metrô
eu também tomo chuva
eu também fico no trânsito de São Paulo
eu também passo vontade

e aí, vejamos
eles ficam lá, com seus ideais de prateleira morta
de séculos passados
e ficamos todos nós
o calhorda, o corrupto, a mulher, o defensor
o mentiroso, o certinho, o pastor, o homem que vende algodão doce
o caixa do mercadinho.
em um mundo real
feito de pessoas e calor
sentimentos e suor

e aqui, nesse mundo, tão real quanto nós
eu preciso te mostrar que a gente não vale nada
e esquentar a cabeça assim
apenas apressa seu caminho

uma coisa é comodismo
conforto
outra coisa é aproveitar a viagem

se você sabe que não dá para pesar o valor de ninguém além de você
aprende uma coisa
filósofo não pega a linha azul
sociologia não paga as contas, a menos que você trabalhe muito
e eu, eu só estou tentando seguir viagem

ninguém vale nada nesse mundo
ninguém vale nada
ninguém nem tem peso

cada um só pode saber do seu
e, se no vislumbre, se no meio do caminho você for capaz de encontrar alguém
e por segundos, meses, dias, instantes você for capaz de fechar as mãos, olhar nos olhos e sentir (não saber) o peso
o valor daquela pessoa ali, na sua frente
então, você pode dizer de peito cheio
que já conheceu o amor


.
que já conheceu o amor.
.


o único segredo
como cego que é, depende de nós para muitas de suas proezas
mas, acredite
ele pode muito bem, levantar e, simplesmente ir embora

e quando você se remoer em julgamentos, Lispector ou Meireles
Drummond e qualquer europeu cheio de consoantes

vai ecoar meio tímido
um baque surdo
não julgue o amor
não apresse seu caminho
no fim
ele também não vale nada

e se você sentir que vale alguma coisa
se apertar o peito
se acreditar
como eu acredito, que talvez o tilintar da varinha do cego é o que rege o certo e errado do mundo
então você entenderá que nada realmente tem peso
pois não dá para julgar o amor

de todos os calhordas, canalhas, corruptos, sujos e vis pessoas do mundo
que também amam como nós
eu sou o que menos vale
eu não valho nada.
nem uma moeda de dois.