quarta-feira, 29 de abril de 2009

We are all wolves

Lembro-me da primeira vez que nos conhecemos, aquela alcova escura e suja, lar de ratos, de todos piratas expatriados e assassinos do lado oeste do Tamisa. Depois de muito sangue derramado, formando novas poças sobre o negrume do sangue seco e velho das madeiras do assoalho, você se aproximou da minha mesa. Teria atacado antes da luz das tochas iluminarem seu rosto, se não caminhasse a sua frente aquele nosso amigo, do qual você sempre reclama. Continuei a mastigar, enquanto limpava o sangue da cimitarra, e perguntei despreocupado: Vai um cookie, dona?

Simples assim. Daquele biscoito em diante muitas desventuras cruzariam nosso caminho, tantos balanços, suaves e fortes, tempestades e calmarias, que, imagino eu, as pessoas comuns não devem passar. Mas, pra ser bem sincero, eu não sei, nunca fui exatamente uma pessoa comum.

Eis, que chega o derradeiro momento. Hora ou outra, me perguntava aonde tua impaciência iria conduzir-nos. Não que impaciência não seja uma coisa boa, ou ruim, é apenas um sentimento, que todos sentimos em algum momento da vida. Torna-se um problema apenas quando ela nubla nossas visões dos fatos, como a forte neblina das florestas da Estônia.

De fato, muitas coisas me passam pela cabeça agora. Arrependimento, ou culpa, não é uma delas. Com certeza, não da minha parte. Mas, não tenho presunção de imaginar como sua mente se comportará daqui em diante, apenas sou curioso quanto as atitudes humanas. Sempre fui assim, isso que me faz ser quem eu sou. Aliado ao meu comportamento, nem sempre torna-se uma coisa boa, como a impaciência, porém, como diz o francês: É o que temos pra hoje...

Os anos no mar, capitã, me deram muito mais experiência do que apenas saques e pilhagens. E as feridas, muito mais honrarias que os espólios. Quando era pequeno, treinava os olhos para caçar, afinal, sobrevivência dependia de comida, e um filhote de lince ou um coelho gordo eram comida pra semana inteira. Depois de anos, quando nossos olhos já estão treinados para enxergar o movimento, as reações e os resultados, passamos a vislumbrar as coisas de modo diferente. E eu passei tempo demais caçando para deixar de enxergar assim. A vida é simples e não conta com grandes mistérios ocultos, o mundo é daqueles que sabem enxergá-lo.

Contemplação é papo para monges e estudiosos, não para nós, que levamos essa vida. Não para quem tem o vento salgado do oceano, chacoalhando a nau dos pensamentos. Nós nem mesmo conseguimos ficar parados no mesmo lugar, o balanço sempre existe, o eterno ir e vir. A calmaria, o estático, sempre foi a maior aflição de qualquer mandrião que conheço, até mesmo dos grandes, como Jennet ou Drake.

Muitas palavras para tentar explicar aos seus muitos pensamentos uma coisa, como disse acima, relativamente simples: estou desertando, capitã.

Quando vislumbrar essas linhas, muito provavelmente já estarei tão longe do navio, quanto o garoto Galága de um banho de água doce.

Não me preocuparei com as explicações, nem com os porquês. As ações falam tanto quanto esses hieróglifos, rabiscados num diário velho. Como de praxe, levo tudo que me é de direito, espero que não se importe.

Não encontrará o baú com prata sob a soleira da cama, as conversas sobre o vento da popa ou as histórias inacabadas, das noites de lua cheia, que tanto fazíamos questão de contar, para o turno passar mais depressa. Vigília, nunca foi meu forte, afinal.

Espero que sua arrogância não encontre na minha objeção. Livreza de espírito, sempre norteou a bússola matriz desse velho lobo do mar, jamais o deixaria de fazer agora.

Onde, quando e se nos encontraremos novamente, não posso te afirmar com toda certeza. Talvez no próximo aporte saqueador, ou naquela caravela da frota inglesa, nas mesas de jogo de Reykjavík ou na velha cabana no ducado de Liechtenstein.

Afinal, você bem sabe: uma vez caminhante, nenhum pouso jamais domará teu semblante.

No final das contas, somos todos lobos.

Will W.


PS: Não quito dívidas, mas também não mantenho laços. Para todos barris que beber daqui pra frente, lembra sempre daquelas duas canecas que me deve. E quando o tilintar lhe pesar a mente, dá os rincões ao primeiro pedinte que vês e considerarei a dívida paga. Assim, quem sabe, os próximos barris terão pra ti, gostos melhores ou sabor mais leve... Adeus

3 comentários:

Anônimo disse...

porra mano, demais.. fantástico! quero é agora ver o livro pronto!

abraço meu velho, we are all wolves..

Anônimo disse...

mimimimimimimi

Elsa Villon disse...

Por que eu demorei tanto para ler seu texto?

Eu aqui, ansiosa há tanto tempo para saber o que tinha sido feito do Will... agora isso.

Disse o menino lá acima: Quero é agora ver o livro pronto.

Um beijo, um abraço, uma sacudida e um chiclete para depois